quinta-feira, 9 de maio de 2013

Construindo mudanças

Vou correndo pro concreto
como uma formiguinha corre pro açúcar.
Vigas e concreto. Paredes, prédios enormes.
Em concreto tem mais espaço, parece...
Espaço para os miseráveis se sentirem
menos oprimidos, menos sufocados
na busca do que se quer, na busca do que se é.

Mas o ar no concreto é denso.
E o concreto também comprime, acelera e encaixota.
Não é firme!
Esse concreto desgasta
Ele nos bate até que fura
o corpo, a mente, a alma.

O concreto é movediço, no caso concreto deste concreto!

domingo, 10 de março de 2013

enlinhado


desenlinhamento
desenlinha                                mente
desenho em linha
em linha                                   minto
                  desminto
                             desalinhamento

João Cabral ecoando na insônia

Não há guarda-chuva contra as madrugadas insones
que pisoteiam as sementes de sol
que desesperaçam as cortinas da manhã seguinte.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Ecos


Na bem verdade
eu já sentia
os ecos de oco

O oco ecoando
quase em silêncio
não me deixou
te deixar ver
a minha poesia.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Cabum!


Explodir para dentro. Há alguns dias a sensação que paira pelo corpo com sinais de sedentarismo é um fluxo intenso de pensamentos aparentemente desconexos: uma profunda bagunça mental que não mostra o seu fio condutor para uma tentativa de desenlinhamento e organização. Sedentária, mas também... com tanto calor que faz lá fora! Em seguida pensava nas causas e consequências do estado atual e só lhe vinha uma palavra à boca: sede! Estava sedenta, e isso era, definitivamente, causa e consequência do seu sedentarismo, com explicações bem mais filosóficas do que a simples semelhança gráfica entre as palavras.

Partiu para o banho, a água lhe acalmaria as ânsias da cabeça confusa, acreditando com tamanha esperança nos planos que faria em baixo do chuveiro, que seriam capazes de lhe empurrar para uma atividade física e, como resultado, para uma atividade mental mais controlada, ou, se isso fosse pedir muito, que fosse então menos angustiada.

Afrouxar o juízo, porque sentia como se ele fosse um emaranhado de nós apertados e isso lhe causava uma dorzinha de cabeça chata, sobretudo no cair das tardes. Talvez o sentimento de “Pronto, finalmente, acabou o dia!” seguido de “Bosta! Amanhã não tenho nada de extraordinário para fazer!” lhe desse à alma o direito de proferir um suspiro com ares de quem acha – com certeza – que sua vida está uma merda.

“Uma cerveja gelada com as boas amigas”, dizia a si mesma que aquele seria o remédio para matar aquela sede que esfolava de secura a sua garganta e torrava seus miolos, tamanha desidratação! As boas amigas que queria estavam todas distantes demais para um gole certeiro e então o pensamento de “merda” continuava martelando, não saía sequer para dar uma voltinha na esquina.

Talvez a cerveja gelada não fosse ainda o bastante, embora parecesse um excelente paliativo para aquele momento de tantas dúvidas, se é que podiam assim ser chamadas, porque parecia tudo nebuloso demais para ser chamado de dúvida, de pergunta, de questionamento.

Ria de si mesma, achando-se existencialista demais para pouco caso, existencialista demais para a simplicidade de vida que insistia em querer costurar no seu corpo. Queria ser leve, não aquela babaquice existencial de crer que o ser humano existe mais que qualquer outra coisa – um grão de areia que seja – na natureza. E depois concluía, ainda caçoando de tanto pensamento, que só de pensar aquilo tudo já era mais existencialista do que sua vaidade permitiria deixá-la ser.

Não tinha perguntas, não podia, pois, ter respostas. Não sabia onde estava, mas conhecia um pouco seu mal: sede. Uma sede de uma coisa sem nome, de um líquido que não sabia onde encontrar. Uma sede de tudo, infinita sede de paixão. Isso tudo não tem ponto, isso se expande, sempre... “Droga! Quanto existencialismo barato! Se ao menos pudesse tirar algum proveito dessa babaquice!”. Queria mesmo era explodir para dentro...

segunda-feira, 17 de setembro de 2012


Entre a cabeça e o coração e os sentidos, as palavras

 

A terceira condição para conhecer-entender é saber que o sentimento só sente o que as palavras deixam sentir, mas que a onipotência das todo-poderosas palavras está sempre a serviço do esforço humano de sentir o que ainda não foi sentido, de dar a conhecer o desconhecido, de explicar o inexplicado, de permanentemente ordenar e reordenar o caos. E aí, então, escutar quem já tentou traduzir em palavras (ou em poesia, que é a mesma coisa) o mesmo empasse: no caso, Rita Lee, a tua mais completa tradução.

 

...

 

Depois de libertar o coração e dar-lhe tempo para sentir a impressão, é preciso amar, ou odiar (são o mesmo sentimento, em outra personificação ou momento histórico).

 

Quando te encarei frente a frente não vi o meu rosto

Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto

É que Narciso acha feio o que não é espelho

E a mente apavora o que ainda não é mesmo velho

Nada do que não era antes quando não somos mutantes

E foste um difícil começo, afasto o que não conheço

E que vem de outro sonho feliz de cidade

Aprende depressa a chamar-te de realidade

Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso.

 

Amamos aquilo com que nos identificamos, o outro sonho feliz de cidade de onde viemos e que construiu nossa percepção para o conceito e o sentimento de cidade, e odiamos aquilo que se recusa à nossa identificação, a outra cidade que não reflete essa imagem, exigindo que empreendamos o árduo e doloroso processo de reconstruir nossa percepção para dar conta de um novo conceito e de um novo sentimento. De narciso a mutante, de criança a adulto, de ignorante a sábio, os olhos (a percepção, o entendimento, o sentimento, a sabedoria) percorrem o caminho que leva do espelho (pequeno mundo familiar, paroquial, as primeiras pequenas certezas a respeito da vida) à realidade (a descoberta da complexidade do mundo lá fora e a descoberta da capacidade de reorganizar o mundo aqui dentro). E se o ódio é o avesso do amor, e o amor, o avesso do ódio, quem é capaz de resistir a um olhar que não reflete essa primeira cara infantil, ignorante e narcísica, acaba aprendendo que, pra dar conta da riqueza e complexidade do mundo, esses dois sentimentos não são suficientes: é preciso procurar o avesso de cada um desses avessos.
(Paulo Coimbra Guedes)

terça-feira, 31 de julho de 2012

agridoce

todo gosto bem bom começa com agridoce
toma a boca
invade o paladar
sem agredir
sem enjoar

eis a mais ardente novidade
misturada com uma doce lembrança

é tão bom que, em seguida, dá vontade
de tentar um doce, um salgado, um amargo, um azedo...
voltar pro agridoce
e começar tudo de novo.